Pular para o conteúdo principal

Native Brazilian Music - Leopold Stokowski





Estes dois albuns contendo 4 discos 78 rpm cada, com 17 faixas no total, devem constar entre os mais importantes discos brasileiros em qualquer época, porém, foram lançados apenas...nos USA! A história é relativamente mal conhecida e eu sugiro fortemente a visita a estes dois sites para melhor entende-la: o site da americana Daniella Thompson, uma quase-brasileira pelo seu amor devotado à nossa música está aqui (em português) e o site do jornalista brasileiro, de apenas 26 anos, Aloisio Milani está aqui. Repito, a leitura é fundamental pois vou me ater apenas aos comentários de Ary Vasconcelos das 17 músicas apresentadas nos albuns Columbia C-83 e C-84, lançados nos USA em 1942, sabendo-se que foram registradas mais de quarenta sessões naqueles dias 8 e 9 de agosto de 1940, à bordo do navio SS Uruguay, aportado no Rio de Janeiro. Onde foram parar as outras gravações? Leiam os sites sugeridos pois esta é uma história e tanto!

A luta pela descoberta do restante das músicas gravadas naquele período, a troca de emails com os responsáveis pelas editoras detentoras dos direitos autorais, a busca pelas fitas "masters" tentando um possivel relançamento em cds etc etc, chega a ser comovente, principalmente no caso da Daniella, por ser cidadã americana. Os comentários de Ary Vasconcellos foram pinçados do álbum lançado em 1987, ocasião do centenário do compositor, pelo Museu Villa-Lobos, numa tiragem limitadissima contendo as célebres 17 faixas, transformando-o numa peça tão rara e disputada quanto os originais da Columbia.
Vamos lá:

Macumba de Oxóssi
Está assinada por Donga e Espinguela e grafada erradamente no disco americano. Essa macumba "with vocal ensemble" como explica a mesma etiqueta, foi gravada pelo Grupo de Rae Alufá. Como se sabe, Oxóssi é o orixá dos caçadores, sendo sincretizado, no Rio de Janeiro, como São Sebastião, e como São Jorge, na Bahia. Seu símbolo é o arco e flecha, dançando com essa arma em uma das mãos e com um erukerê (uma espécie de espanador feito com rabos de boi) na outra.O Grupo do Rae Alufá era um conjunto vocal-instrumental coreográfico dirigido por Zé Espinguela e que animava as festas deste, fossem elas sagradas (macumbas) ou profanas (sessões de samba e de chula). A voz solista é do próprio Espinguela.

Macumba de Iansã
Outra macumba de Donga e Espinguela, gravada pelo mesmo grupo e com Espinguela como solista. No original está grafada assim: Macumba de Inhançan. Iansã, orixá feminino, esposa de Xangô, é sincretizada como Santa Bárbara. Dança geralmente com um alfange e um eruxim de rabo de cavalo.

Ranchinho desfeito
Uma antiga composição de Donga, letra de De Castro e Souza, ocupa a terceira faixa do nosso elepê e do primeiro álbum americano. A letra original foi bastante sacrificada, entretanto, na gravação e mesmo uma nova estrofe de David Nasser só teve seus quatro últimos versos aproveitados. Certamente por equívoco, o titulo primitivo foi substituído pelo de Samba Canção e não há qualquer referência à Souza. mencionando o selo do disco os nomes de Nasser e Donga. Omissão mais grave é a do intérprete Mauro César, pseudônimo do cantor Joel do Nascimento sobre o qual é bem clara, aliás, a influência de Orlando Silva. Nascimento cantara no Regional de Donga, tendo mesmo atuado com este no Cassino da Urca. Na época da gravação trabalhava numa tinturaria que abrira em sociedade com um amigo. Donga foi seu padrinho de casamento. Mais tarde trabalhou na Agência Nacional, transferindo-se para Brasília quando da inauguração da nova Capital. Pixinguinha, então com 42 anos, "rouba" porém o fonograma com empolgante atuação na flauta.

Caboclo do mato
"Samba with vocal ensemble" está no selo do disco. Trata-se, na realidade, de uma corima de Getúlio Marinho da Silva, o saudoso "Amor" (mencionado no selo) interpretada por João da Baiana (não mencionado). Presentes nesta faixa o pandeiro de João e a flauta de Pixinguinha. A voz feminina - que repete "din, din, din, Aruama" - é provavelmente de Janir Martins.

Seu Mané Luís
Zé da Zilda (José Gonçalves) é astro principal desta composição de Donga. Janir Martins dialoga com ele neste "samba with vocal duet". No selo não há, porém, qualquer referência à dupla, nem ao outro astro, Pixinguinha.

Bambo do bambu
Jararaca e Ratinho cantam a embolada assinada por Donga. Nesse autêntico "destrava a lingua", Ratinho, embola-se e tem a sua travada antes da hora...O violão sensacional que encerra a gravação é de Laurindo de Almeida.

Sapo no saco
Novamente Jararaca e Ratinho, agora na embolada Sapo no saco, de ambos, um clássico do gênero.Uma das raras composições deste repertório já gravadas anteriormente, Sapo no saco foi lançado em disco por Jararaca em abril de 1929.

Que quere quê
Que querê intitulava-se o disco Victor 33509-b, suplemento de janeiro de 1932, e consistia em uma macumba carnavalesca de Donga, João da Baiana e Pixinguinha, gravada por Zaira de Oliveira e Francisco Sena. O selo do disco Columbia refere-se a "K Keri KK" e sua autoria é atribuída a "Yoad Machrado Cudo J." , isto é, a maneira mais estropiada possivel de se escrever o nome verdadeiro de João da Baiana, ou seja, João Machado Guedes...Aliás, tudo indica que Que Querê seja só de João e nesse caso os americanos estariam corretos no tocante à verdadeira autoria. O solista vocal é o próprio João podendo a voz feminina ser de Janir Martins.

Zé Barbino
A peça que abre o lado "b" do elepê é um maracatu estilizado escrito a quatro mãos por Pixinguinha e Jararaca e gravado em dupla pelos próprios autores. Trata-se ainda de um dos raros fonogramas em que Pixinguinha atua como cantor.

Tocando pra você
Momento extraordinário nas sessões de gravação realizadas a bordo do navio Uruguai foi este em que Luís Americano, acompanhado de regional, executou ao clarinete o seu deslumbrante choro Tocando pra você, grafado no selo do disco como "Tocanda pra voce"...

Passarinho bateu asas
A gravação "princeps" deste samba de Donga é de Francisco Alves e foi realizada na Odeon (disco 10160-a), em 1928. No navio, coube a Zé da Zilda levar à cêra a famosa composição. Mais uma vez, destaca-se no acompanhamento a flauta de Pixinguinha.

Pelo telefone
"Zamba with vocal chorus" diz o selo do disco. Só que este "zamba" não é um samba qualquer, mas justamente o primeiro a celebrizar-se como tal, com letra assinada por Donga, letra por Mauro de Almeida - para resumir uma história complicadíssima e que provocou tantas polêmicas. Onde está escrito "vocal chorus", leia-se José Gonçalves, isto é, Zé da Zilda. Pixinguinha tem aqui nova atuação extraordinária.

Quem me vê sorrir
Outro ponto culminante dos dois álbuns Columbia: Cartola acompanhado pelo "Mangueira Chorus" (é como se encontra no disco) canta seu samba Quem me vê sorrir, letra de Carlos Cachaça (Carlos Moreira de Castro). Carlos, aliás, era para ter ido também ao navio Uruguai, mas justamente na noite da gravação teve plantão na Central do Brasil, onde trabalhava. Seu nome não consta no selo do disco. Ainda sobre o coro da Mangueira: era formado pelas pastoras Neuma, Cecéia, Nadir, Ornélia, Guiomar, Nesília e Naguinha. Participaram também da gravação vários ritmistas e o violonista e compositor Aloisio Dias, da verde-e-rosa. Este seria, possivelmente, o mais antigo registro gravado da voz de Cartola.

Teiru e Nozani-ná
Um quarteto de professores do Orfeão Villa-Lobos canta estas duas composições de Heitor Villa-Lobos: Teiru, canto fúnebre pela morte de um cacique foi recolhido por Roquete Pinto em 1912 entre os Parecis. É de 1926, sendo o segundo dos Tres Poemas Indigenas. Nazoani-ná (Ameríndio) é uma das Canções Típicas Brasileiras, de 1919. O coro do Orfeão está designado no disco por "Brazilian Indian Singers"...

Cantiga de festa
Zé Espinguela e Donga assinam mais esta corima, cantada pelo primeiro com o apoio do Grupo Rae Alufá.

Canidé Ioune
Canidé Ioune é o primeiro dos Tres Poemas Indígenas, de Villa-Lobos. Está baseado em um tema indígena recolhido pelo viajante Jean de Léry em 1553. Para interpretá-lo voltam os "Brazilian Indian Singers", isto é, os professores do Orfeão Villa-Lobos...


 http://www.mediafire.com/?8x83q58eq7r6dxf





Para ouvir agora:

Comentários

luciano goulart disse…
Muito bom! Excelente mesmo, hoje vi na tv Senado uma reportagem sobre essa histótia.
merci, muchas gracias, thanks, obrigado. Ese blog es "la leche". Me gustaria corresponder, que sea en ingles, en frances, en español, ooooo el portugues no lo controlo. No paro de escuchar esta maraviha de disco. Merci, merci
alain corrieras // alaincorrieras@gmail.com
Vinyl Maniac disse…
Alain,

muchas gracias!

Vou mandar um email para voce, fique tranquilo e nos visite sempre que puder!
oi amigo Vinyl Maniac ! Onde morra você ? La proxima vez que vengo no Brazil, me gustaria conocerlo de verdad !!! Agora estou escuchando "Songs & Dances of Brazil" que es una maravilha !!! Muilto obrigado. Me gustaria enviarle dos "perlas" muy rara :
1 - as gravações de música
indígena feitas por Roquete Pinto no início do século passado;;;; son solo 4 tracks en mp3 de los cilindros de cera…
2 - gravações que Simone Dreyfus-Roche fez de música indígena em 1954 - este tengo el vinylo !!!

Un gran abrazo e a la espera noticias tuyas

Alain
brasofilo disse…
opa!
q discão, valeu demais!

aparentemente, vc é o único que postou a contracapa do disco...
vc não tem isso em alta resolução?
Mário Romero disse…
É fato que evoluímos muito no que se refere a preservação de nossa história, mas é inegável, que ainda etamos muito longe do mínimo ideal, a prova indiscutível, está no fato de que somente agora, e através de pessoa não brasileira, viemos a tomar conhecimento dessa relíquia da música brasileira "NATIVE BRASILIAN MUSIC" gravação feito nos EUA por Leopold Stokowki. Há quem diga: Não saber o que aconteceu antes de seu nascimento, é permanecer criança para sempre. Há que se fazer alguma coisa nesse sentido, para as novas gerações não permanecerem crianças para sempre. Salvo melhor Juízo.
Anônimo disse…
O arquivo foi bloqueado pelo Rapidshare.
Vinyl Maniac disse…
Já está lá o novo link para download. Obrigado por informar. Abs!
Diogo P. P. disse…
agora pelo mediafire. Muito obrigado. Esse é um album feito especialmente para os gringos. Patrimônio cultural nosso que mal conhecemos. Eita povinho sem memória, sem cultura (no século XXI). Somos colônia não só dos eua, mas do mundo, atualmente.
diegomonge disse…
Muito obrigado por postas esse arquivo histórico.

:DD
ArteD - Estudio disse…
Parabéns pelo blog, muito bom! Na verdade esta sendo um verdadeiro achado este assunto, pois estou a desenvolver um projeto sobre o Brasil na 2ª Guerra (1942 - O CONFLITO_ A Guerra que Vivi.
ENTREVISTA:
http://www.portalfeb.com.br/hq-1942-o-conflito-a-guerra-que-vivi/

DEPOIMENTOS DA EQUIPE:
http://www.portalfeb.com.br/entrevista-com-a-equipe-hq-1942-o-conflito-a-guerra-que-vivi/


A EQUIPE:
http://www.portalfeb.com.br/conheca-a-equipe-da-hq-1942-o-conflito-a-guerra-que-vivi/

FACEBOOK:
https://www.facebook.com/1942OConflitoAGuerraQueVivi

O QUE É UM HERÓI PARA VOCÊ:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=655382597840408&set=a.580819751963360.1073741826.580666105312058&type=1&relevant_count=1

https://www.facebook.com/artedestudio

Abração!

MARCO MARINS (marcomarinshq@gmail.com)
Unknown disse…
Que maravilha!!!!! Muito obrigado.

Postagens mais visitadas deste blog

Betinho e seu Conjunto Dançante No 1 - Copacabana CLP 11130 (1959)

Para ouvir o disco inteiro e melhores informações:  http://www.mediafire.com/download/xov...

OBALUAYÊ! - Orquestra Afro-Brasileira - Abigail Moura

Todamérica LPP-TA-11,  1957 Este LP é um dos mais importantes já lançados no Brasil. Na mesma linha do Native Brazilian Music (Leopold Stokowsky) e Songs and Dances of Brazil, ambos postados anteriormente. O maestro Abigail Cecilio de Moura nasceu em MG e esteve a frente da Orquestra Afro-Brasileira por quase trinta anos, considerando que a orquestra foi fundada em 1942 e ele faleceu em 1970. É um disco raríssimo que vale qualquer esforço adquirir pois se trata de rico material para músicos e pesquisadores. Achei o texto abaixo na internet e transcrevo aqui citando a fonte: http://pt.shvoong.com/humanities/arts/1943352-abigail-moura-orquestra-afro-brasileira/ Sua autoria está atribuida a Grégoire de Villanova e a leitura me faz depreender que tenha sido lançado um exemplar em cd recentemente, juntamente com um livro explicativo, contendo quatro músicas adicionais cuja procedência desconheço, este é o LP original de 1957. Portanto, se este post d

CHAIM... E SUAS TECLAS MÁGICAS - 1960

Copacabana CLP 11166 - 1960 Comecei a escrever sobre músicos brasileiros que, indignadamente, julgava não existir razão para serem atirados ao limbo, lá atrás, em 1999, para ser mais preciso. Tinha um site chamado "Tesouro Musical" que era abastecido pela minha coleção e pela inestimável contribuição dos sempre amigos: Sérgio Ximenes, um dos maiores colecionadores de discos do Brasil,o já conhecido pelos amigos do blog Niromar Fernandes, extraordinário violonista, e o meu caro e saudoso Caetano Rodrigues. Também tive a ajuda do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro, que me abriu as portas para vários músicos e cheguei a levar o projeto de escrever um livro sobre o assunto ao Ministério da Cultura, obviamente em vão. Sem apoio financeiro para fazer pesquisas, viagens, etc, etc a coisa ficou inviável. Em 2001 registrei o site "Batutas". Mal poderia supor que, anos depois, o gigante UOL usaria este nome para designar a